segunda-feira, 21 de setembro de 2009

UMA TRAJETÓRIA DAS TREVAS PARA A LUZ
Marcos 10
INTRODUÇÃO


1. As aparentes contradições do texto

A cura do cego Bartimeu está registrada nos três evangelhos sinóticos. Porém, existem nuances diferentes nos registros. Mateus fala de dois cegos e não apenas de um (Mt 20.30) e Lucas fala que Jesus estava entrando em Jericó (Lc 18.35-43) e não saindo de Jericó como nos informa Marcos (10.46). Como entender essas aparentes contradições?

Em primeiro lugar, nem Marcos nem Lucas afirmam que havia apenas um cego. Eles destacam Bartimeu, talvez, por ser o mais conhecido e aquele que se destacava em seu clamor. William Hendriksen diz que não há nenhuma contradição nos relatos, porque nem Marcos nem Lucas nos contam que Jesus restaurou a visão de somente um cego. Entretanto, não sabemos porque Marcos escreveu a respeito de Bartimeu e não disse nada em relação ao outro cego.[1]

Em segundo lugar, havia duas cidades de Jericó. No primeiro século havia duas Jericós: a velha Jericó, quase toda em ruínas, e a nova Jericó, cidade bonita, construída por Herodes, logo ao sul da cidade velha. A cidade antiga estava em ruínas, mas Herodes, o grande havia levantado essa nova Jericó, onde ficava seu palácio de inverno, uma bela cidade ornada de palmeiras, jardins floridos, teatro, anfiteatro, residências e piscinas para banhos.[2] Aparentemente, o milagre aconteceu na divisa entre a cidade nova e a velha, enquanto Jesus saía de uma e entrava na outra.[3]

2. A última oportunidade

A cidade de Jericó além de ser um posto de fronteira e alfândega (Lc 19.2), também era a última oportunidade de abastecimento de provisões e local de reuniões, em que grupos pequenos se organizavam para a viagem em conjunto. Desta forma protegidos contra os salteadores de estrada (Lc 10.30), os peregrinos partiam deste último oásis no vale do Jordão para o último trecho de uns vinte e cinco quilômetros, uma subida íngreme de perto de mil metros, através do deserto acidentado da Judéia até a cidade do templo.[4]

Jesus estava indo para Jerusalém. Ele marchava resolutamente para o calvário. Era a festa da páscoa. Naquela mesma semana Jesus seria preso, julgado, condenado e pregado na cruz. Era a última vez que Jesus passaria por Jericó. Aquela era a última oportunidade de Bartimeu. Se ele não buscasse a Jesus, ficaria para sempre cativo de sua cegueira.

A oportunidade tem asas, se não a agarrarmos quando ela passa por nós, podemos perdê-la para sempre. Nunca saberemos se a oportunidade que estamos tendo agora será a última da nossa vida.

3. A grande multidão

Por que a numerosa multidão está seguindo Jesus de Jericó rumo a Jerusalém? Aquele era o tempo da festa da Páscoa, a mais importante festa judaica. A Lei estabelecia que todo varão maior de doze anos que vivesse dentro de um raio de vinte e cinco quilômetros estava obrigado a assistir a festa da Páscoa. Obviamente nem todos podiam fazer essa viagem. Esses, então, ficavam à beira do caminho desejando boa viagem aos peregrinos. Por essa razão, Jericó que, ficava a vinte e cinco quilômetros de Jerusalém tinha suas ruas apinhadas de gente. Além do mais, o templo tinha cerca de vinte mil sacerdotes e levitas distribuídos em vinte e seis turnos. Muitos deles moravam em Jerusalém, mas na festa da Páscoa todos deviam ir a Jerusalém. Certamente muitas pessoas deviam estar acompanhando atentamente a Jesus, impressionadas pelos seus ensinos; outras, curiosas acerca desse rabino que desafiava os grandes líderes religiosos da nação. Era no meio dessa multidão mista que Bartimeu se encontrava.[5]


I. SUA CONDIÇÃO ANTES DE CRISTO


1. Bartimeu vivia numa cidade condenada (10.46)

Jericó foi a maior fortaleza derrubada por Josué e seu exército na conquista da terra prometida (Js 6.20,21). Josué fez o povo jurar e dizer: “Maldito diante do Senhor seja o homem que se levantar e reedificar esta cidade de Jericó; com a perda do seu primogênito lhe porá os fundamentos e, à custa do mais novo, as portas” (Js 6.26). Jericó tinha cinco características que faziam dela uma cidade peculiar:

Em primeiro lugar, Jericó era uma cidade sob maldição. Herodes, o grande reconstruiu a cidade e a adornou, mas isso não fez dela uma bem-aventurada.

Em segundo lugar, Jericó era uma cidade encantadora. Era chamada a cidade das palmeiras e dos sicômoros. Quando a brisa batia na copa das árvores, as palmeiras esvoaçavam suas cabeleiras, espalhando sua fragrância e encanto.

Em terceiro lugar, Jericó era uma cidade dos prazeres. Ali estava o palácio de inverno do rei Herodes. Ali ficavam as fontes termais. Ali milhares de sacerdotes que trabalhavam no templo de Jerusalém moravam. Jericó era a cidade da diversão.

Em quarto lugar, Jericó era uma cidade que ficava no lugar mais baixo do planeta. A região onde está situada a cidade de Jericó é o lugar mais baixo do planeta, há quatrocentos metros abaixo do nível do mar. É a maior depressão da terra.

Em quinto lugar, Jericó era uma cidade às margens do Mar Morto. O Mar Morto é um lago de sal. Nele não existe vida. Trinta e três por cento da água desse mar é sal. Nada floresce às margens desse grande lago de sal.

2. Bartimeu era cego e mendigo (10.46)

Faltava-lhe luz nos olhos e dinheiro no bolso. Estava entregue às trevas e à miséria. Vivia a esmolar à beira da estrada, dependendo totalmente da benevolência dos outros. Um cego não sabe para onde vai, um mendigo não tem aonde ir.

Não há nenhuma cura de cego no Antigo Testamento; os judeus acreditavam que tal milagre era um sinal de que a era messiânica havia chegado (Is 29.18; 35.5).[6]

3. Bartimeu não tinha nome (10.46)

Bartimeu em aramaica significa filho de Timeu.[7] Bartimeu não é nome próprio, significa apenas filho de Timeu. Adolf Pohl diz que deste cego conhecia-se somente o nome do pai, que foi explicado para os desinformados.[8] Este homem não era cego e mendigo, mas estava também com sua auto-estima achatada. Não tinha saúde, nem dinheiro, nem valor próprio. Certamente carregava não apenas sua capa, mas também seus complexos, seus traumas, suas feridas abertas.


4. Bartimeu estava à margem do caminho (10.46)

A multidão ia para a festa da Páscoa, mas ele não podia. A multidão celebra e cantava, ele só podia clamar por misericórdia. Ele vivia à margem da vida, da paz, da felicidade.


II. SUA DECISÃO POR CRISTO


1. Bartimeu buscou a Jesus na hora certa (10.47)

Aquela era a última vez que Jesus passaria por Jericó. Era a última vez que Jesus subiria a Jerusalém. Aquela era a última oportunidade daquele homem. Não há nada mais perigoso do que desperdiçar uma oportunidade. As oportunidades vêm e vão. Se não as agarrarmos, elas se perderão para sempre.

2. Bartimeu buscou a pessoa certa (10.47)

Com sua cegueira, Bartimeu enxergou mais do que os sacerdotes, escribas e fariseus. Estes tinham olhos, mas não discernimento. Bartimeu era cego, mas enxergava com os olhos da alma.

Bartimeu chamou Jesus de “Filho de Davi”, seu título messiânico. Jesus é chamado “Filho de Davi” somente aqui em Marcos.[9] O fato deste cego mendigo chamar Jesus de “Filho de Davi” revela que ele reconhecia Jesus como o Messias, enquanto muitos que haviam testemunhado os milagres de Jesus estavam cegos a respeito da sua identidade, recusando-se a abrir seus olhos para a verdade.[10]

Bartimeu chamou Jesus de Mestre. A palavra rabboni também é traduzida por Senhor. A única pessoa nos evangelhos que usou esta palavra foi Maria (Jo 20.16). Bartimeu tinha usado duas vezes o título messiânico de Jesus, mas rabboni era uma expressão de fé pessoal.[11]

Ele compreendia que Jesus tinha poder e autoridade para dar-lhe visão. Este filho o último milagre de cura registrado pelo evangelista Marcos. Nele Jesus demonstra seu amor, misericórdia e graça.

3. Bartimeu buscou a Jesus com perseverança (10.48)

Bartimeu revelou uma insubornável persistência. Nada nem ninguém pode deter o seu clamor, sua exigência de ser levado frente a Jesus. Estava determinado a dialogar com a única pessoa que podia ajudá-lo. Seu desejo de estar com Cristo não vago, geral nem nebuloso. Era uma vontade determinada e desesperada.[12]

A multidão tentou abafar sua voz, mas ele clamava ainda mais alto: “Filho de Davi, tem compaixão de mim”. A multidão foi obstáculo para Zaqueu ver a Jesus e estava sendo obstáculo para Bartimeu falar a Jesus. Nem sempre a voz do povo é a voz de Deus, e, geralmente, não é. Aqueles que tentam silenciar a voz do mendigo faziam-no pensando que Jesus estava ocupado demais para preocupar-se em dar atenção a um indigente.[13] William Hendriksen sugere algumas razões que levaram as pessoas a tentar calar a voz de Bartimeu: Primeiro, as pessoas estavam com pressa de chegar a Jerusalém; segundo, elas concluíram que aqueles gritos não condiziam com a dignidade de Cristo; terceiro, elas não estavam prontas ainda para ouvirem uma proclamação pública de Cristo como sendo “Filho de Davi”; quarto, elas sabiam que os seus líderes religiosos não gostariam nem um pouco disso.[14]

Bartimeu não se intimidou nem desistiu de clamar pelo nome de Jesus diante da repreensão da multidão. Ele tinha pressa e tinha determinação. Ele sabia da sua necessidade e sabia que Jesus era o único que poderia libertá-lo de sua cegueira e dos seus pecados.

4. Bartimeu buscou a Jesus com humildade (10.47,48)

Bartimeu sabe que não merece favor algum, e apela apenas para a misericórdia de Deus. Ele não pede justiça, mas misericórdia. Ele não reivindica direitos, mas pede compaixão.

5. Bartimeu buscou a Jesus com desprendimento (10.50)

Logo que Jesus mandou chamá-lo, ele lançou de si a capa e num salto foi ter com Jesus. Há muitos que escutam o chamado de Jesus, mas dizem: “Espera até que o que estou fazendo”, ou “já vou, depois que terminar isso ou aquilo”. Bartimeu demonstrou pressa. Há duas coisas dignas de nota aqui:

Em primeiro lugar, Bartimeu desfez-se da única coisa preciosa que possuía. Sua capa era sua roupa, sua proteção, sua cama. Era tudo o que ele possuía para protegê-lo da poeira do deserto durante o dia e o de seu frio gélido à noite. Mas, ele desfez-se de imediato de tudo que o poderia se constituir obstáculo. Para Bartimeu o encontro com Cristo era a coisa mais importante da sua vida. Estava pronto a abrir de tudo para encontrar-se com o Messias.

Em segundo lugar, Bartimeu transcendeu a psicologia dos cegos. Ele levantou-se de um salvo para ir a Jesus. Os cegos não pulam, elas apalpam. Kierkegaard, o pai do existencialismo moderno, disse que fé é um salto no escuro, mas para Bartimeu, fé é um salto nos braços de Jesus. Champlin diz que Bartimeu deu um salto com a alma, e não apenas com as pernas. Esse salto fala da prontidão com que devemos correr para Jesus.[15]

6. Bartimeu buscou a Jesus com objetividade (10.51)

Bartimeu sabia exatamente o que necessitava. Jesus perguntou para Tiago e João, “o que quereis que vos faça?” Perguntou para o paralítico: “Queres ser curado?”. Quando Bartimeu chegou à presença de Jesus, ele lhe fez uma pergunta pessoal: “Que queres que eu te faça?”. Ele podia pedir uma esmola, uma ajuda, mas ele foi direto ao ponto principal: “Mestre, que eu torne a ver”.


III. SUA NOVA VIDA EM CRISTO


1. Bartimeu foi salvo por Cristo (10.52)

Aquela era uma caminhada decisiva para Jesus. Ele tinha pressa e determinação. A cidade de Samaria não conseguiu detê-lo. Mas, o clamor de um mendigo o fez parar. Nesse mundo onde tudo se move, o Filho de Davi pára para ouvir o seu clamor. Ele pára para atender-lhe a voz.

Jesus disse para Bartimeu: “Vai, a tua fé te salvou”. Bartimeu creu não por causa da clareza da sua visão, mas como uma resposta ao que ele ouviu.[16] Jesus diagnosticou uma doença mais grave e mais urgente do que a cegueira. Não apenas seus olhos estavam em trevas, mas também a sua alma. Ele foi buscar a cura para seus olhos, e encontrou a salvação da sua alma. William Hendriksen diz que pelo fato de a fé ser, em si mesma, um dom de Deus, é surpreendente que Jesus, em várias ocasiões, louve o recipiente do dom por exercitá-la.[17]

John Charles Ryle diz que Bartimeu era cego no corpo, mas não em sua alma. Os olhos do seu entendimento estavam abertos. Ele viu coisas que Anás, Caifás e as hostes de mestres em Israel não viram. Ele viu que Jesus era o Messias esperado, o todo poderoso Deus.[18] Você tem os olhos da sua alma abertos (1 Pe 1.8)?


2. Bartimeu foi curado por Cristo (10.52)

Jesus não apenas perdoa pecados e salva a alma, mas também cura e redime o corpo. Bartimeu teve seus olhos abertos. Ele saiu de uma cegueira completa para uma visão completa. Num momento, cegueira total. No seguinte, visão intacta.[19] A cura foi total, imediata e definitiva.

3. Bartimeu foi guiado por Cristo (10.52)

Bartimeu “seguia a Jesus estrada a fora”. Bartimeu demonstra gratidão e provas de conversão. Ele não queria apenas a bênção, mas, sobretudo, o abençoador. Ele seguiu a Jesus para onde? Para Atenas, a capital da filosofia? Para Roma, a capital do poder político? Não, ele seguiu a Jesus para Jerusalém, a cidade onde Jesus chorou, onde Jesus suou sangue, onde Jesus foi preso, sentenciado, condenado e pregado na cruz. Ele seguiu não uma estrada atapetada, mas um caminho juncado de espinhos. Não o caminho da glória, mas o caminho da cruz. Bartimeu trilhou o caminho do discipulado.


CONCLUSÃO

Jesus passou por Jericó. Ele está passando hoje também pela nossa vida, cruzando as avenidas da nossa existência. Temos duas opções: clamar pelo seu nome ou perder a oportunidade.

Jesus vai hoje passar. Qual vai ser a decisão? Segui-lo ou deixá-lo passar?

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